Apontamentos sobre Caramelos

Antes da fundação do Rancho Etnográfico da Barra Cheia, em 1980, pouco ou nada se falava sobre o Povo Caramelo, nem tão pouco os ranchos folclóricos existentes nos distrito defendiam as tradições Caramelas, em boa hora, os diretores que formaram o Rancho Etnográfico da Barra Cheia, convidaram para ensaiador o já falecido Joaquim Afonso Madeira, Algarvio, que se radicou muito jovem em Alhos Vedros, pessoa muito interessado pelo meio em que vivia, logo nos aconselhou que o Rancho da Barra Cheia, para ser autentico tinha que representar os riquíssimos costumes e tradições dos seus antepassados, os Povos Caramelos, foram iniciados os estudos possíveis e posteriormente transmitidos para o Rancho.

Após a organização de várias ações de formação de folclore, jornadas, encontros e colóquios, quase todos os grupos do distrito se reclamam de Caramelos mesmo aqueles que não tem qualquer prova das migrações para as suas localidades, ou qualquer estudo sobre estas gentes.

É consensual entre os entendidos, que as migrações dos Povos Caramelos foi dividida em três fases:

  • a primeira com a vinda de trabalhadores para as quintas de Azeitão, que acabaram por se fixar nos Brejos de Azeitão,
  • a segunda, para Barra Cheia, Penalva e Arroteias, posteriormente Brejos da Moita,
  • e a terceira para a região de Pinhal Novo,

a chegada a Barra Cheia dos primeiros Caramelos de ir e vir, deviam ter acontecidos a partir do final do século 18, prolongando com maior fluxo até meados do século 19, conforme consulta dos registos Paroquiais de casamentos, sec. 19, a sua grande maioria eram naturais dos concelhos de Mira e Cantanhede, especialmente das freguesias de S. Tomé  e Nª Sª do Ó, nos registos de Batismos de crianças aqui nascidas, os pais e os avós são naturais dos referidos concelhos, o mesmo acontece nos registo de cemitério e certidões de óbito.

Muitas famílias Caramelas, por motivos desconhecidos, receberam e adotaram crianças expostas “órfãs ou abandonadas” da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, conforme vários registos de Casamento e óbito.

Os Caramelos de Ir e Vir, no inicio vinham apenas para trabalhar, por conta dos grandes proprietários das herdades da região “Hoje Barra Cheia e Cortajeira”, fazendo a limpeza dos matos e pinhais de terras incultas, tornando-as férteis e realizando as culturas de sequeiro, após as colheitas regressavam as suas terras de origem, viviam em cabanas feitas de canas, ramos de pinheiro, e palha de centeio e trigo com a cobertura também em palha, ao longo do tempo fixaram em terras foreiras, cedidas pelos proprietários, construíram as primeiras casas em adobo de terra e barro com cobertura em palha, posteriormente cobertura em telha, abriram charcos, criaram condições de vida, iniciaram as culturas de vinha e alguma agricultura de regadio especialmente para a própria alimentação, aqui se produziu o melhor vinho da região, era frequente a troca de alimentos entre as famílias, carne de porco aquando das matanças e pão quando se cozia, retribuindo-se posteriormente os produtos trocados, permitindo assim alimentos frescos essenciais por períodos mais curtos.

Os Caramelos eram bons trabalhadores, produziam mais e melhor do que os naturais desta região, sendo mais remunerados pelos patrões, trazendo um certo descontentamento pelos restantes trabalhadores.

O trabalhador Caramelo tinha como grande objetivo, criar riqueza própria para enviar para a terra Natal, e comprar as suas próprias terras e cultiva-las, muitos, a pouco e pouco conseguiram os seus objetivos, com direitos foreiros adquiram as suas parcelas de terra, certamente por simpatia e reconhecimento dos antigos proprietários, grande parte destas terras foram transmitidas de pais para filhos, como foreiras algumas até a 1974, ano de extinção da lei dos Foros.

A população da Barra Cheia, viveu isolada de tudo, para chegar a Moita ou Alhos Vedros, tinha que percorrer cerca de uma légua, por maus caminhos de areia, só na passada década de 60, se iniciou a construção da estrada para Moita e muito mais tarde a estrada para Alhos Vedros, uma ida ao médico, acompanhar um funeral ida a uma repartição publica era um autentico sacrifício, este isolamento certamente contribuiu para a morte de muitas crianças e suas mães durante o parto, conforme leitura atenta dos registo de funerais do cemitério de Alhos Vedros.

Apesar de viverem mais próximo de Moita e Alhos Vedros, os Caramelos viveram muito voltados para Sesimbra e Setúbal, devido ao mau acolhimento dos naturais da Moita, e por serem terras á beira-mar.

Os Caramelos que se fixaram na Barra Cheia, sempre mantiveram as suas tradições religiosas, no inicio construíram duas Alminhas, uma delas no local onde hoje existe a atual Capela, existia nesta a imagem de Santa Conga ou Santa Conicha e Santo Carário ou Santo Eucarário, mas devido à população da Moita e Alhos Vedros gozarem com os Caramelos pelos nomes dos seus Santos, estes acabaram por tomar como sua Padroeira Nª. Sª da Atalainha pela sua grande devoção a Nª. Sª. da Atalaia do Montijo, em 7 de Novembro de 1864, Manuel Gomes “Padre Nosso” e sua mulher Ana dos Santos Miranda, doaram por escritura publica uma parcela de terreno com cerca de 5.000 metros quadrados para a construção da ermida de Nossa Senhora da Atalaia na Barra Cheia, no lugar onde existia a “Alminha” já referida, alegando que “existiam na proximidade da sua propriedade em número de 60 a 70 fogos que pela distancia a que se acham da Igreja Matriz a que pertencem, faltam em quase todo o ano aos Ofícios Divinos a que é obrigado todo o Fiel Cristão, se resolveram eles e seus vizinhos a edificar a ermida a Nª. Sª da Atalaia, cuja imagem aquele povo têm e festejam anualmente em Romaria, requerendo ao Sr. Cardeal que lhe conceda a respetiva autorização” a imagem existente pertencia ao Círio que anualmente ia a Atalaia, foi construída a ermida, a mesma caiu em 24 de Dezembro de 1941 durante chuvas torrenciais, sendo reconstruída a atual em 1954, que já sofreu várias ampliações e restauros.

Por volta de 1900, o trabalho e as terras já não chegavam para sobrevivência de todas as famílias, os filhos procuraram outros rumos, uns para o Brasil, outros iniciam uma nova povoação em Fernão Ferro, a duas léguas da Barra Cheia.

Os ourives de Mira e Cantanhede, que regularmente visitavam os seus conterrâneos, tiveram um papel importante, quer na venda de ouro a prestações, quer por trazer e levar as notícias dos familiares que viviam nos concelhos de origem, eram estes que traziam na maior parte das vezes as noticias da morte de familiares.

Com esta simples mas justa Homenagem ao Povo Caramelo, pretendemos reconhecer o trabalho por este realizado, que contribuiu para o desenvolvimento da região, e aprofundar o estudo sobre os motivos que levaram estas gentes a sair da sua terra Natal e relançar um maior intercâmbio de Culturas entre ambas a regiões de forma a honrar os nossos antepassados mantendo viva a sua história e heróica aventura.

Manuel Fernando Miguel
Barra Cheia, 24 de Novembro de 2002

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